Generosidade

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GENEROSIDADE
Canteyukee
(Dar, Dividir, Ter Coração)

O inverno sempre foi uma estação difícil para o povo Lakota que vivia nas planícies da América do Norte. Ventos fortes e muita neve dificultavam a vida desse povo que vivia exclusivamente da caça. Nesse período do ano, os animais costumavam migrar para outras regiões em busca de sobrevivência e da mesma forma, o povo nativo mudava sua aldeia de lugar. Mas nem sempre havia tempo suficiente para deslocar um acampamento inteiro.
Foi exatamente assim que certa vez, uma aldeia se viu com poucas provisões, encarando um inverno muito rigoroso. A fome e o frio já estava fazendo vítimas, especialmente entre os mais velhos.
Numa reunião, os anciãos de tribo decidiram que seria preciso enviar dois de seus melhores caçadores a procura de suprimentos, antes que fôsse tarde demais.
Naquela noite, Sees the Bear (Vê o Urso) e Left Hand (Mão Esquerda), prepararam suas armas e provisões para saírem na difícil jornada.
Rumariam para a região das florestas, um território que eles ainda não conheciam.
Sempre atentos a eventuais trilhas deixadas por algum animal, seguiram andando, dias e dias de viagem.
Já estavam sem provisões e o frio era tanto, que mal conseguiam acender um fogo para se aquecer à noite.
Numa determinada tardinha, eles ouvem um barulho e percebem um vulto passar por eles. Era uma corsa! Uma grande corsa preta e cinza, como eles nunca haviam visto antes.
Rapidamente pegaram seus arcos mas com os dedos congelados de tanto frio, custaram a preparar suas flechas. A corsa estava quase fora do alcance dos dois, quando finalmente conseguiram abate-la.
Naquela noite os dois caçadores conseguiram matar sua fome.
No dia seguinte, prepararam a caça para leva-la de volta a aldeia e alimentar seu povo que os esperava.
Vários dias de viagem novamente…
À noite, os caçadores se revezavam para tomar conta da caça, com receio de que algum animal a pudesse roubar.

Na segunda noite de vigília, Sees the Bear pensou que estava tendo um sonho, quando viu um coiote muito magro se aproximar do acampamento.
“Inverno rigoroso, esse”, disse o coiote. “Minha família está faminta. Se você for uma alma generosa, poderá me dar um pouquinho da carne que conseguiu. Precisamos só de um pedacinho para sobreviver.”
Sees the Bear sem acreditar no que estava acontecendo, chamou Left Hand rapidamente para que ele também visse. “Nunca vi um coiote tão perto assim do fogo.” respondeu assustado
“Vocês são grandes caçadores e sei que têm bom coração.” disse o coiote. “Sou velha, já vivi bastante, mas é por minha família que eu suplico sua bondadde”, ela acrescentou.
Left Hand imediatamente disse que não poderia ajudar. “Precisamos levar esse alimento pra casa. Nosso povo também está com fome.”
“Os espíritos foram bondosos conosco” disse Sees the Bear e prontamente cortou um pedaço de carne e a atirou ao coiote que agradeceu dizendo:
“À noite minha família cantará para vocês em gratidão.”
Left Hand ficou muito bravo e disse que aquilo tinha sido a coisa mais estúpida que ele havia visto na vida.

Mais dois dias se passaram quando Sees the Bear ouviu uma gralha lhe dizer: “Os lobos comeram todas as entranhas da corsa que vocês deixaram pra trás. Não sobrou praticamente nada para nós. Estamos com muita fome”.
Antes que Left Hand o pudesse impedir, Sees the Bear cortou algumas tiras de carne e as atirou para as gralhas.
“Nós o recompensaremos por sua bondade. De hoje em diante se vocês não nos virem por perto, será sinal de que tempos difíceis estão a caminho. Enquanto vocês puderem nos avistar, haverá abundância e viremos lhes anunciar.”
Mais uma vez Left Hand ficou muito bravo com o companheiro.

Mas alguns dias de viagem e Sees the Bear avistou um lobo com a pata muito machucada.
Left Hand já foi logo avisando que se ele estava alí para ganhar alguma carne, poderia ir embora porque ele não lhe daria nenhuma.
“Fico triste ao ouvir isso” disse o lobo. ” Como você pode ver, estou com a pata ferida e apesar de saber onde encontrar as corsas, não consigo persegui-las e alcança-las. Minha esposa deu a luz e precisa comer para alimentar os pequenos”.
E completou: “O inversno está muito severo e pensei que poderia contar com a sua bondade.”
Sees the Bear disse em seguida:”Temos o suficiente. Pode contar com nossa ajuda.” deixando Left Hand mais furioso!
“Eu agradeço” disse o lobo. “Por sua bondade você terá minhas habilidades de caçador.”
Left Hand não falou mais com Sees the Bear que o havia lembrado das lições de generosidade que ambos receberam quando crianças.

E foi uma raposa que se aproximou do acampamento dessa vez. Ela disse “Nunca vi um inverno tão rigoroso. A neve está tão alta que fica muito difícil andar porque tenho patas pequenas. O coelho pode correr na superfície da neve enquanto que eu afundo. Estava pensando se você seria generoso o suficiente para me dar um pouco da sua carne”.
Left Hand estava dormindo e Sees the Bear aproveitou para dar o que comer à raposa.
“Temos o suficiente para compartilhar” ele disse.
Agadecendo, a raposa falou: “Meu povo é muito bom em se camuflar. Por sua bondade, essa habilidade também será sua.”
Na manhã seguinte Left Hand percebeu que mais um pedaço da carne havia sumido e para ele isso já era demais!
“Estou voltando para a aldeia sozinho. Vou buscar ajuda para carregar o que sobrou da nossa carne”.
Sees the Bear foi deixado sozinho para trás e mesmo assim, com muita dificuldade, prosseguiu sua caminhada.

Na manhã seguinte ele se deparou com um falcão com uma asa machucada.
“O que lhe aconteceu?”, perguntou, e o falcão respondeu: “Precisei brigar com um gato do mato que me atacou para roubar o coelho que eu havia caçado. Agora não posso voar. Não como nada ha dias!”
Sees the Bear cortou mais um pedaço de carne e o entregou ao falcão.
“Sou-lhe muito grato. Da próxima vez que sair para caçar, siga nessa direção até encontrar um lago. A caça por lá é muito boa e mesmo quando a neve chegar, você poderá pescar o salmão.”
Naquela tarde Sees the Bear conseguiu chegar perto da aldeia, mas não podia mais carregar o resto da carne sozinho, então resolveu enterra-la na neve e seguir para a aldeia sem nenhum peso extra.
Os anciãos esperavam por ele.
“Left Hand nos contou o que aconteceu”, eles disseram. “Agora é a sua vez de nos contar.”
Sees the Bear disse toda a verdade ao que os anciãos responderam: “Alguma comida é melhor do que nenhuma.”
Sees the Bear percebeu o olhar de desapontamento das pessoas na aldeia. Com a cabeça baixa, dirigiu os demais até o local em que havia enterrado o resto da carne.
Left Hand foi o primeiro a puxar a corsa pela perna, mas estava muito pesada e precisou da ajuda de mais quatro homens.
Quando conseguiram tirar a corsa da neve, perceberam surpresos que ela estava inteirinha!
“Não é possível” ele gritou. “Não havia nem a metade quando eu o deixei pra voltar para a aldeia”
Enquanto todos olhavam para a carcaça intacta do animal, uma imagem fantasmagórica da grande corsa apareceu a todos e disse:
“Eu sou a corsa que vive na floresta. Existem muitos de nós. Nossa carne lhes dará forças.
Pedimos em retorno, porém, que vocês sempre demonstrem sua gratidão pelo presente da vida. Se assim o fizerem, estaremos sempre prontos a ajuda-los. Generosidade é uma excelente qualidade, porque todos estamos viajando juntos nessa terra.” E dizendo isso, desapareceu.
Sees the Bear foi homenageado por sua atitude e daquele dia em diante passou a ser chamado de Bings the Deer, (quem trás a corsa).
Sempre que caçava para seu povo, Brings the Deer parava para agradecer por aquela vida que lhe foi entregue.
Quando a primavera chegou, a aldeia mudou-se para a beira do lago que o falcão havia mencionado. Sim, haviam provisões em abundância.
Brings the Deer se tornou um hábil caçador e parecia ser dotado de poderes e abilidades que mais ninguém possuía.
Durante toda sua vida, sempre jogou pedaços de carne para as gralhas que cumpriram o que haviam prometido, lhe avisar se um inverno muito rigoroso estava a caminho.
Brings the Deer fazia um pequeno ritual que ensinou aos demais. Cada vez que uma corsa fosse abatida numa caçada, ele parava, ficava alguns minutos em silêncio e colocava um punhado de sálvia no local, como uma oferenda.
Muios caçadoes Lakota passaram a fazer a mesma coisa em gratidão pelo presente da vida recebido.
Comenta-se que Brings the Deer sempre sorria ao ouvir coiotes cantando suas canções.

Quantas coisa recebemos diariamente!
A vida, o alimento, o ar que respiramos, a água. Temos nossas famílias, nossos amigos, nossos animais de estimação, nossas casas.
Recebemos generosamente a chuva e o sol.
Temos as flores, as árvores, todos as criaturas de quatro pernas, as voadoras, as raastejantes, as nadadoras. Tanta beleza, tantas provisões!
Sabemos agradecer?
Ajudamos àqueles que precisam? Doamos nosso tempo, nossa atenção, nosso esforço, amor, recursos materiais para ajudar toda e qualquer forma de vida que esteja em necessidade?

Precisamos lembrar sempre que todos nós andamos pela mesma estrada aqui na mãe Terra. Podemos andar em beleza por essa estrada vermelha da vida, sabendo dividir, compartilhar, se importar com todas as outras formas de vida que Wakantanka, o Gramde Espírito, colocou aqui sobre a mãe Terra, certamente com um propósito.
Que possamos perceber as necessidades dos outros e, na medida do nosso possível, amenizar as dificuldades. Se todos fizermos um pouquinho, conseguiríamos mudar muita coisa.
Que possamos assim como Brings the Deer, colher os bons frutos de nossas boas ações, e Canteyukee: Ter Coração.

 

Sempre com gratidão a J.M.M.III

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