Iktomi (ilustração de Arthur Amiotte)
Verdade
Wowicake (O que é real, como o mundo é)
Perguntou-se uma vez a um índio idoso o que era a verdade e ele respondeu:
“Eu acho que não vivi o suficiente para saber o que é a verdade. Tudo o que sei é que sem ela, Iktomi seria a mais poderosa criatura da terra”.
Hoje para falarmos sobre a verdade, vamos recorrer a essa lendária criatura, Iktomi.
Todos os Lakota conhecem muito bem as peripécias de Iktomi e sua fama não é derivada de qualidades, ao contrário, Iktomi era famoso por ser extremamente enganador!
Preguiçoso por natureza, nunca se preocupou em garantir um lugar para morar, nunca quis aprender a caçar seu alimento e vivia de pregar peças em todos aqueles que cruzassem seu caminho para tirar algum tipo de vantagem.
Numa linda tarde de verão, Iktomi perambulava pelas planícies a procura de uma presa fácil. Seu estômago estava roncando de fome, mas ele não estava disposto a fazer nenhum grande esforço para conseguir alimento.
Havia muitos peixes no rio, mas isso significava que ele teria que agarrar alguns gafanhotos para servirem de iscas para os peixes e você sabe, gafanhotos são muito difíceis de pegar! Eles são muito rápidos! Por isso Iktomi decidiu que não comeria peixes naquele dia.
Sentou-se numa pequena colina para descansar um pouco quando, além do barulho de seu próprio estômago, ouviu o que pareciam risadas trazidas de longe pelo vento.
A última coisa que Iktomi queria ouvir naquele momento, eram risadas! A fome lhe havia provocado um terrível mau humor.
Mas ele acabou ficando curioso e resolveu verificar de onde vinha aquele som irritante.
Num lago próximo, Iktomi viu dezenas de patos nadando, dançando e grasnando alegremente. Para Iktomi aquela era uma visão hipnótica!!! Que refeição ele poderia conseguir!!!
Começou a pensar numa forma de capturar alguns daqueles patos suculentos sem grande esforço, claro.
Um plano mirabolante logo brotou em sua mente (ele era muito bom nisso). Recolheu alguns galhos e gravetos que encontrou caídos no chão, os amarrou bem como num fardo e com passos firmes começou a caminhar em direção ao lago.
Ele parecia estar muito ocupado, como numa missão importante e para disfarçar ainda mais, não dirigiu o olhar para os patos. Ao contrário, fingiu que eles não estavam lá.
Como imaginara, um dos patos o reconheceu e gritou para os demais:
“Olhem, é Iktomi!” o que provocou um alarde! Todos começaram a partir em revoada, mas Iktomi fez de conta que aquilo não era com ele e continuou andando, arqueado com o fardo de galhos nas costas.
Aquilo era muito estranho! Aos poucos os patos começaram a voltar para a lagoa. Todos estavam espantados ao ver Iktomi aparentemente fazendo alguma coisa importante. Ficaram ainda mais intrigados quando viram que Iktomi estava passando por eles sem sequer lhes dirigir um olhar.
“Iktomi”, chamou um dos patos. Mas Iktomi continuou andando.
“Iktomi”! outro pato insistiu.
Iktomi então parou e olhou para o lago como se estivesse surpreso ao ver tantos patos juntos, nadando despreocupadamente.
“HAU” ele disse. “Como estão vocês, amigos? Lindo dia esse, não é?”
“Estamos dançando e celebrando esse lindo dia”, respondeu o pato.
“Fico feliz por vocês” Iktomi respondeu e se virou para continuar sua caminhada.
Os patos estavam muito intrigados com aquela atitude. Iktomi não estava agindo como Iktomi e eles precisavam saber o porque.
“Espere”, disseram eles. “O que está fazendo? Por que está carregando todos esses galhos?”
Iktomi fingiu estar com pressa e respondeu:
“Não são apenas galhos. São canções! São canções muito sagradas!
Eu as estou levando para uma comemoração lá perto do rio.”
Pegou os galhos nas costas novamente e voltou a caminhar.
“Estão esperando por mim”, ele disse. “Tenho que chegar antes do por do sol.”
Os patos ficaram agitados com aquilo e disseram: “Espere, espere! Não vás embora ainda. Cante uma de suas canções para que possamos dançar.”
Iktomi hesitou, parecendo preocupado e respondeu: “Não. Eu não posso fazer isso. Tenho um longo caminho pela frente. Estão esperando por mim! Além disso, são canções sagradas e eu não acho que poderia cantar uma delas pra vocês. Eu nem os conheço!”
Os patos alvoroçados gritaram em uníssono: “Queremos ouvir uma canção! Apenas uma!” e rodearam Iktomi que só conseguia pensar em que maravilhosa refeição ele poderia ter, com aqueles patos gordinhos e suculentos.
“Está bem”, respondeu. “Vou cantar uma canção e depois seguirei meu caminho.”
Regozijando-se, os patos voltaram para a lagoa, comemorando em antecipação.
Iktomi então, apoiou todos os galhos no chão e cuidadosamente escolheu um deles. Era um galho forte e robusto que seria perfeito para aquilo que ele tinha em mente. Era a canção perfeita para aqueles patos.
“É esse aqui”, disse Iktomi e mais uma vez os patos grasnaram de alegria.
“Agora”, disse Iktomi, “desde que a canção é sagrada, existe uma coisa que vocês precisam fazer quando eu começar a cantar.”
“Diga-nos o que é. Diga-nos o que fazer” gritaram os patos.
“Quando eu começar a cantar, vocês precisam fechar bem os olhos. Essa canção é sagrada e muito poderosa. Não sei o que poderia acontecer se vocês abrissem os olhos durante ela. Eu vou fechar meus olhos também, porque sei quão poderosa essa canção é. É tão poderosa que me avisaram para nunca canta-la com os olhos abertos e que todos os que a ouvirem deverão estar com os olhos bem fechados também. Vocês entenderam?”
“Sim, sim, nós entendemos!”
Iktomi procurou um lugar confortável para sentar, limpou a garganta e disse: “Preciso avisa-los! Se vocês abrirem os olhos enquanto eu estiver cantando, seus olhos ficarão vermelhos para sempre. Portanto, não importa o que aconteça, não importa o que vocês ouçam, mantenham os olhos fechados!”
“Nós manteremos os olhos fechados” os patos responderam.
Então Iktomi começou a cantar:
“Heya, hey, hey, hey, Heya há…” Iktomi era um bom cantor.
Os patos ficaram encantados, fecharam os olhos e começaram a dançar, batendo as asas na água, fazendo muito barulho.
Então Iktomi cuidadosamente abriu um olho e viu que todos os patos estavam extasiados, dançando, batendo as asas e claro, com os olhos fechados.
Aos poucos, entrou na lagoa, se posicionou no meio dos patos e com um golpe certeiro, abateu o primeiro pato. Mas o barulho feito pelos demais era tão alto que ninguém percebeu o que acabara de acontecer.
Encorajado com o sucesso, Iktomi continuou cantando e abatendo mais alguns patos. Sete deles já boiavam mortos na lagoa quando um dos patos, desconfiado, abriu os olhos e viu Iktomi no meio deles com o grande galho na mão, pronto para continuar golpeando os demais.
“Olhem!”, o pato gritou. “Fujam, fujam ou Iktomi vai matar a todos nós!
Os demais patos abriram os olhos e chocados com o que viram, bateram as asas em disparada.
Para muitos deles já era tarde demais…
A canção de Iktomi se transformou numa risada estridente enquanto ele recolhia o seu jantar.
Os patos remanescentes estava longe agora, mas seus olhos se tornaram vermelhos desde então.
Iktomi comeu até não poder mais…
Se um dia Iktomi lhe disser que tem lindas canções para você, não feche os olhos! Desconfie!
O grande problema é que não sabemos que forma Iktomi poderá assumir para tentar nos enganar….