Honra
Wayuonihan
(ter integridade, ser honesto, ter caráter)
Dando sequência à nossa jornada pelas virtudes buscadas pelo povo Lakota, hoje escreverei sobre uma muito importante, a honra!
A honra é um princípio que leva alguém a ter uma conduta digna e que lhe permite gozar de bom conceito junto à sociedade em que vive.
Envolve integridade, honestidade e força de caráter.
Para o povo Lakota, a cor relacionada à honra é o vermelho.
Muitas vezes a honra exige coragem e é exatamente sobre isso que versa a história que contarei a seguir.
Ha muito, muito tempo atrás, quatro caçadores empreenderam uma jornada às grandes montanhas chamadas de Black Hills (Paha Sapa), que se estendem do oeste de Dakota do Sul, até o estado de Wyoming.
Essas montanhas são muito importantes para os povos nativos da região, porque eles acreditam que o primeiro indivíduo de sua raça, surgiu de uma caverna dessas montanhas, atualmente chamada de Wind Cave.
Nessa região a caça é abundante!
Quando os quatro guerreiros alcançaram as Black Hills, resolveram montar um acampamento e descansar.
Durante a noite um deles levantou para alimentar a fogueira e teve uma visão assustadora. Uma enorme serpente havia deitado ao redor do acampamento.
A princípio o guerreiro achou que estivesse sonhando, mas ao constatar que a gigantesca serpente era real, acordou os demais companheiros para que, em total silêncio, também pudessem conferir o que estava acontecendo.
Assustado, o guerreiro mais jovem pergunta:
“O que devemos fazer? Poderíamos mata-la, se todos nós atirássemos flechas ao mesmo tempo.”
O mais velho, porém, argumentou que, caso eles não conseguissem mata-la com as flechas, ela certamente os devoraria em seguida.
Nada em suas vidas os haviam preparado para enfrentar uma situação como essa.
A serpente era tão alta quanto um búfalo e certamente seriam precisos vinte búfalos enfileirados para corresponder ao seu comprimento.
Depois de muitas conjecturas, o guerreiro mais velho disse que só haveria uma maneira de sair da armadilha em que se encontravam. Eles teriam que pular a serpente onde a cabeça encontrava com a cauda, o único lugar um pouco mais baixo do que o resto do corpo da mesma.
Eles atirariam suas armas por sobre a serpente, para fora do círculo primeiro e depois, um a um arriscariam o salto.
O guerreiro mais jovem seria o primeiro a pular, mas ele estava tão apavorado que outro companheiro se ofereceu para ser o primeiro.
Tomando a maior distância possível, o primeiro conseguiu saltar em segurança e o segundo foi logo atrás.
Com isso o guerreiro mais jovem ganhou confiança e se preparou para pular. Quando ele estava bem perto, a serpente levantou a cabeça, fazendo com que ele batesse nela e caísse no chão desacordado.
O guerreiro mais velho rapidamente puxou o amigo para trás, esperando que a serpente devorasse os dois. Houve um silêncio interminável!!!
Quando o guerreiro mais jovem recobrou a consciência, a serpente simplesmente foi embora.
O jovem então conta que a serpente havia falado com ele em pensamento e que garantiu que não voltaria, caso eles fizessem o que ela lhes ordenara.
Eles deveriam viajar rumo ao norte, até alcançarem um rio e seguir por ele até um vale. Nesse vale eles encontrariam uma cabana com uma porta vermelha.
Nessa cabana vivia um homem com uma cicatriz abaixo dos olhos, sua esposa e uma criança. Esse homem os estaria esperando. Dois guerreiros deveriam ficar protegendo a cabana e os outros dois deveriam acompanha-lo até um lago distante que esse homem deveria atravessar.
Mesmo sem entender muita coisa e até duvidando que a serpente houvesse transmitido alguma mensagem, todos decidiram que deveriam fazer o que ela lhes havia ordenado e seguiram viagem rumo ao norte, com receio de que a serpente pudesse voltar e devorar a todos.
Depois de muita caminhada em silêncio, os quatro chegaram ao esperado vale e para surpresa de todos, lá estava a cabana com uma porta vermelha.
Ao se aproximarem, um homem de meia idade veio ao encontro deles e, de fato, ele tinha uma grande cicatriz no rosto, logo abaixo dos olhos. A serpente havia mesmo falado com o guerreiro mais jovem.
O homem e sua família os receberam em sua casa e lhes ofereceram comida.
Depois de comerem, o homem com a cicatriz disse que sabia que tinham uma mensagem para ele.
O guerreiro mais velho revelou o propósito de sua jornada e disse:
“Dois de nós ficarão aqui para proteger sua família e os outros dois deverão acompanha-lo. Serão muitos dias de viagem. Devemos chegar a um lago e você deverá atravessa-lo. Se conseguir chegar até a outra margem, poderá voltar para casa.”
“Sim”, disse o homem com a cicatriz no rosto. “Eu viajarei com vocês.”
Naquela noite, os quatro montaram um pequeno acampamento perto da cabana. Todos estavam muito confusos. Afinal, por que uma serpente falaria com eles? Por que o homem deveria atravessar o lago? Ainda, por que aquele homem vivia com sua família alí, isolado dos demais? O que teria acontecido com ele?
Chegado o momento da partida, ficou definido que o guerreiro mais velho e o mais jovem acompanhariam o homem até o lago, enquanto os outros dois ficariam e guardariam sua casa e família até seu retorno.
E nada mais foi dito a respeito do assunto.
A jovem esposa se despediu do companheiro com lágrimas e o acompanhou com os olhos até o perder de vista.
Foram quinze dias de caminhada, até alcançarem e atravessarem o grande Muddy River em direção ao lago. Novamente, nenhuma palavra foi dita acerca da missão.
Quando finalmente chegaram ao lago, notaram um silêncio estranho. Não haviam animais ou aves no lugar. Até o ar parecia parado.
Então o homem da cicatriz disse:
“Amanhã cedo entrarei no lago, como vocês me orientaram. Acho que sei o que me espera. Se eu não alcançar a outra margem, por favor, levem minhas coisas para minha esposa e a acompanhem de volta à sua família. Perguntem também, a ela, o que quiserem saber sobre mim. Ela lhes dirá tudo.
Uma coisa era certa nessa história toda. O homem com a cicatriz no rosto era muito corajoso!
Na manhã seguinte, os dois guerreiros assistiram o homem com a cicatriz fazer suas orações, despir-se e entrar no lago cantando sua canção de morte.
O lago era raso até quase a metade de sua extensão. Quando o homem chegou ao meio, ondulações começaram a se formar nas águas paradas do lago e num picar de olhos, um vulto negro surgiu na superfície e o arrastou para baixo. Em seguida, as águas voltaram a ficar calmas.
Os dois guerreiros correram até a margem do lago, mas sabiam que não poderiam fazer nada. Permaneceram lá a manhã inteira na esperança de que o homem voltasse.
Mas nada aconteceu.
Vinte dias de viagem de volta à cabana com a porta vermelha.
Os outros dois guerreiros esperavam em vigilia.
Assim que os avistaram, contaram que a jovem esposa chorou desde que eles partiram e que, em sinal de luto, havia cortado os cabelos.
Ela sabia que seu marido não regressaria.
Mais alguns dias se passaram até que a jovem finalmente falou com eles.
“Devo voltar para meu povo.”
“Sim, nós a levaremos até eles. Seu marido nos pediu que assim o fizéssemos,” disse o mais velho.
Durante o caminho de volta ao seu povoado, a jovem viúva nada falou.
Ao chegarem a jovem foi calorosamente recebida por sua família e os guerreiros foram convidados a permanecer o tempo que quisessem. Resolveram descansar por alguns dias.
Na tarde em que se preparavam para partir, a jovem viúva foi conversar com eles.
Ela disse:
“Preciso lhes falar sobre meu marido.
Quando ele era jovem, tinha um bom amigo que se tornou um poderoso feiticeiro. Mas ele escolheu o lado escuro da magia e se tornou aliado de espíritos maus.
Meu marido se afastou dele e se tornou um grande líder do nosso povo.
O feiticeiro ficou enciumado e usou seus poderes contra meu marido. Com sua magia, ele matou sua primeira esposa, mas mesmo assim meu marido não aceitou se juntar a ele. O feiticeiro foi ridicularizado por toda a aldeia. Com o passar do tempo, ele enlouqueceu e morreu.
Nessa ocasião um espírito mau veio até meu marido e disse que ele seria punido pela morte do feiticeiro.
Ele deveria fazer uma escolha: Ele poderia aceitar a vergonha do banimento ou assistir toda a aldeia ficar enlouquecida como o feiticeiro havia ficado.
Meu marido escolheu o banimento.
O espírito então lhe disse que quatro homens viriam ao seu encontro para leva-lo, mas que ele não saberia quando isso aconteceria. O espírito queria que meu marido vivesse cada dia como se fosse seu último.”
“E como você se tornou a esposa dele?”, perguntou o mais jovem.
“Meu pai me contou a história desse corajoso e honrado homem e disse que uma bravura e uma honra como essa, não poderiam morrer com ele. Deveriam ser passadas adiante. E eu me tornei sua esposa e lhe dei um descendente.”
Os quatro guerreiros voltaram pra casa naquele dia.
Quando contaram sua história, muitos não acreditaram. Mas os quatro se tornaram os homens mais honrados de seu povo.
Se existem mesmo serpentes gigantes?
Bom, não se pode dizer que sim ou que não. Mas certamente existem muitas coisas poderosas, incríveis e misteriosas por aí.
Wophila JMMIII